O Houseparty não sacou 800€ ao tio de ninguém

 
 

Gente, vamos parar um segundo.

Aparentemente toda a gente tem um amigo de um tio de um primo de uma chinchila que perdeu 800€ por causa do Houseparty, e pôs kizomba nas playlists do Spotify ou assim.

Como é que esta app que vocês (e eu) instalaram há três semanas, tem acesso à vossa conta do banco e às vossas contas de outros websites?

Segurança local

A app do vosso banco tem de ter protocolos de segurança fortíssimos, porque dá acesso directo à vossa conta bancária, e qualquer brecha de segurança fazia com que todos os clientes fugissem a sete pés do banco — tal como tantos utilizadores do Houseparty estão a fugir a sete pés com base num rumor.

Imaginem o nível de lixo que a segurança da app do BPI ou do Millennium tinha de ter, para a app do Houseparty conseguir entender-se com qualquer app de qualquer banco e desviar dinheiro dos utilizadores.

Claro que a Houseparty seria uma app com péssimas intenções, mas também vos fazia desconfiar de quão segura a app do vosso banco seria.

O roubo mais indiscreto do planeta

Vamos presumir então que alguém, sem saber bem como, autorizou um débito directo ao banco a partir de uma app que tem 5 botões no ecrã principal.

Porque é que se diz que a culpa do suposto roubo é da Houseparty? Porque alegadamente vem no extracto de banco de alguém.

Ajudem-me: que raio de ladrão que se dá ao trabalho de construir uma app de escala internacional, no absoluto pico do uso no planeta inteiro — porque estamos barricados em casa sozinhos — e aproveita este momento no spotlight para começar a sacar dinheiro assinando no extracto com “Houseparty”.

Nada disto é plausível, sequer. Era o equivalente a assaltar um banco enquanto se grita o nome completo e o número do cartão de cidadão em loop, e fugir num carro multicolor com cornetas no máximo a disparar fogo de artifício non-stop. A polícia não iria ter grande dificuldade em encontrar e acusar o assaltante.

Como fazem dinheiro?

Claro que a Houseparty faz dinheiro. Mesmo sendo grátis, faz sem dúvida uma fortuna (ou vai a caminho de fazer; já falamos disso).

Mas a Houseparty é uma app grátis, como será que pode ser lucrativa?
Porque assalta pessoas e chinchilas!

Não, não mesmo. A Houseparty é uma rede social. Como todas as redes sociais que existem, o lucro está em descobrir os interesses das pessoas.

Uma das fontes mais interessantes dos teus interesses é o teu grupo de amigos: é muito provável que gostes das mesmas coisas que as pessoas com quem mais falas. A app não está a escutar o que dizes, só está a prestar atenção às pessoas com quem falas. Por isso é que uma das primeiras autorizações que tens de dar é à tua lista telefónica: “vamos ver quem tu conheces”.

Sendo uma rede social exclusivamente móvel, a Houseparty pode aceder ao ID de advertising do telemóvel (o “cartão de cidadão” do teu smartphone) e à tua localização geográfica. O teu telefone envia o ID de advertising a todos os sites e apps que o peçam, e basicamente cada página que visitas ou app que abres, o teu “nome” está a ser escrito numa base de dados de publicidade. É assim que a internet funciona: nada é de graça.

Nem precisas de autorizar o acesso ao GPS: a tua localização é calculada com base nas redes WiFi e antenas de dados móveis a que o telemóvel se liga. A localização das pessoas é muito útil para perceber em que zona das cidades vivem — pela região onde o telemóvel passa todas as noites — e a zona onde as pessoas trabalham — pela localização do telemóvel todos os dias. Pessoas que vivem e trabalham em zonas associadas com determinado estatuto económico ou indústria vão ver anúncios adequados a estas características.

Todos estes dados são enviados pela Houseparty e por virtualmente todas as apps do teu telemóvel para servidores de empresas de publicidade, que usam estes dados pra construir cada uma um perfil sobre ti, feito para te mostrar anúncios.

E não são os piores

A maior empresa de agregação de dados da História da Humanidade recolhe desde 1998 informação sobre milhares de milhões de pessoas, associada a esmagadora maioria das vezes a um endereço de email, toma conta das tuas fotos, dos teus emails, das tuas pesquisas, dos sítios que visitas, dos teus documentos…

E como se isso não fosse suficiente, há 80% de probabilidade de o teu telemóvel ter um sistema operativo feito por esta empresa — e oferecido de graça ao fabricante do telefone.

A Google é a maior empresa de marketing individualizado de sempre, todos os serviços de base deles são de graça, e tornou-se sinónimo da Internet. Se alguma coisa te fez confusão na secção anterior deste artigo, imagina o que a Google sabe sobre ti.

Logo abaixo na lista, está o Facebook (e o Messenger, e o Instagram, e o WhatsApp). Nada é de graça.

Rumores na internet

Vamos manter isto simples:

  1. Nunca confies num screenshot.

  2. Duvida de tudo quanto lês (inclusive deste artigo; vai procurar informações autonomamente!)

  3. Questiona se a ideia é plausível: uma app ter acesso indiscriminado à conta bancária de alguém e deixar no extracto “800€: Houseparty”.

A Internet é um sítio perigoso, cheio de lobos a salivar por nós. Mas o lobo é mais depressa a avózinha que está por detrás da Avó Search, AvóMail, AvóDocs, AvóMaps, AvóPhotos, AvóTube, AvóTranslate, AvóBook, AvóGram, AvóTsapp

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