PT: Fugir do WhatsApp porquê? Para onde ir, e porquê o esforço?

 
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No passado dia 8 de Janeiro, utilizadores do WhatsApp de todo o mundo abriram a app e foram confrontados com um aviso: exactamente dali a um mês — no dia 8 de Fevereiro de 2021 — a app de mensagens e grupos irá mudar a forma como partilha dados no Facebook, a empresa que é dona do WhatsApp desde 2014 (além do Messenger e do Instagram).

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Como todas as mensagens deste estilo, o conteúdo é deliberadamente confuso de interpretar. No entendimento de muitos de nós, o significado desta mensagem resumiu-se em: o Facebook vai passar a ter acesso às mensagens, fotos, vídeos que mandamos. 

Factos e ficção: a privacidade do WhatsApp

É importante esclarecer alguma confusão que se instalou acerca do que mudou de facto em relação ao controlo que temos sobre os nossos dados.

O que vai ser partilhado?

Ficção: o WhatsApp vai passar a partilhar o conteúdo das nossas conversas com o Facebook.

Facto: esta mudança afeta exclusivamente os nossos metadados: quando e quão frequentemente abrimos a app, que sistema operativo, marca e modelo de telemóvel estamos a usar, operadora, estado de bateria, rede a que estamos ligados, lista de contatos, contatos a quem mandamos mensagens mais frequentemente.

Porque é que o Facebook quer estes metadados?

Além de um motivo legítimo de segurança (de monitorização de comportamentos que permite identificar contas falsas e spam), o principal motivo é recolher mais dados brutos sobre nós que nos tornem identificáveis e previsíveis para mostrar publicidade personalizada.

“E porque é que a publicidade personalizada é uma coisa má?” — é uma pergunta que prefiro responder no final deste artigo.

O que vai mudar na prática?

Ficção: a partir do dia 8 de Fevereiro o WhatsApp vai passar a partilhar estes metadados com o Facebook; até lá, não tem acesso a eles.

Facto: o WhatsApp já partilha estes dados com a empresa-mãe desde 2016, algo que aceitámos ao começar a usar a app se aceitámos os Termos e Condições que ninguém lê. No entanto, estes dados só podem ser usados por motivos de segurança

Esta atualização que entra em vigor dia 8 de Fevereiro, só nos pede um “OK” para partilhar estes metadados com o intuito de juntar estes dados (onde andamos, com quem falamos) ao perfil digital que a plataforma já tem sobre nós

Se este conceito não vos incomoda, pensem na última vez que viram um anúncio sobre algo em que estiveram a pensar ou falar, e lembrem-se: não precisaram de escrever nada no telemóvel para estas plataformas acertarem no assunto que ocupava a vossa cabeça. O telemóvel não ouviu tudo quanto dizem; o algoritmo é que tem lido tudo quanto escrevem.


Para quê mudar, se toda a gente usa o WhatsApp?

Toda a gente usa o WhatsApp porque toda a gente usa o WhatsApp e não há nenhuma outra plataforma instalada no telemóvel de tanta gente. Um primeiro passo para reverter este estado-de-coisas é instalar outra aplicação no telemóvel e ver que outros amigos a usam — na minha sugestão, o Signal. Se temos de esperar que o mundo mude para agir, podemos agir para o mudar e iniciar a transição.

E compreensivelmente, o mundo não vai deixar de usar o WhatsApp de repente, portanto também não podemos deixar de o usar de repente. Em alternativa, podemos começar novas conversas numa app alternativa sempre que possível. O WhatsApp vai continuar a existir no nosso telemóvel até não ser mais preciso (tal como os SMS se mantêm duas décadas depois de se tornarem standard nas nossas vidas).

As alternativas

Duas plataformas têm sido discutidas mais e mais nos últimos tempos: o Telegram e o Signal. Ambas são apps muito parecidas com o WhatsApp em termos de interface.

Em termos de privacidade e segurança, elas tornam-se distintas uma da outra:

O Telegram é uma empresa privada, com um objetivo claro de lucro. O Signal, em contraste, é uma organização sem fins lucrativos, financiada por bolsas e doações. Sendo um serviço gratuito que tem de gerar lucro, o Telegram está de olho no conteúdo que circula através dos canais da plataforma. O que nos leva ao tema de privacidade:

O Telegram não encripta os chats individuais por pré-definição — portanto pode ler todas as conversas trocadas na plataforma sem esforço, além de ver todas as fotos e vídeos — e não oferece essa opção em chats de grupo de todo. Em contraste, o Signal foi a equipa que desenvolveu o algoritmo de encriptação open source usado pelo WhatsApp.

Por uma questão de privacidade acima de tudo, o Signal é a plataforma indicada como substituta do WhatsApp.


O que posso fazer agora?

  • Experimentar: instalar o Signal. Descobrir que funcionalidades tem — e notar que é mesmo muito semelhante ao WhatsApp.

  • Privilegiar: Quando quisermos falar com um amigo, ver se eles têm o Signal instalado e escolher esse canal para conversar.

  • Convidar: Mandar este artigo, ou outros parecidos, para amigos e família, e transferir um chat de grupo do WhatsApp para o Signal.


Uma nota sobre “eu não tenho nada a esconder”

O contra-argumento de muitos de nós costuma ser “Mas eu não tenho nada a esconder, quem não deve, não teme. Qual é o problema de eles saberem o que escrevo, digo ou faço?”. O que não costumamos manter presente é que a forma como consumimos conteúdo na internet tem dois seguranças à porta: o Facebook e o Google. Estas duas empresas mostram-nos uma versão da realidade filtrada e escolhida a dedo, subtilmente planeada para nos manter a usar os serviços deles.

  • O Facebook — e os feeds de notícias, tanto na plataforma do mesmo nome como no Instagram, onde vemos conteúdo de pessoas, assuntos, desportos, partidos políticos de que gostamos. Os assuntos polémicos e que nos fariam sentir desconfortáveis, revoltados, tristes, teriam como consequência usarmos menos as apps, e portanto vermos menos anúncios, produzindo menos lucro para as plataformas.

  • O Google — que é o primeiro local onde pesquisamos tudo, desde horários de abertura de lojas e restaurantes, questões de trabalho, até futuros destinos de férias e dúvidas existenciais. O império do Google divide-se em dois reinos: as plataformas que são usadas para nos mostrar anúncios (Google Search, YouTube, Google Maps, e todos os anúncios espalhados por milhões de sites na Internet) e as plataformas que são usadas para nos manter dentro da propriedade Google, com login feito para sermos facilmente identificáveis e continuarmos a dar dados sobre os nossos interesses e necessidades (Photos, Gmail, Drive, Docs, Calendário, Translate).

O que acontece na prática é que só vemos conteúdo que nos faça sentir bem: pessoas de quem gostamos, opiniões com que concordamos, porque são essas que dão mais interações, e nos mantêm a fazer scroll mais um bocado — e a ver mais anúncios. 

Há um par de consequências concretas: antes de mais, este tipo de bolhas de pensamento levam à radicalização de discurso social e político pela ausência de discordância que os algoritmos induzem, ao mostrar coisas que nos agradem para nos manter por perto. 

Em segundo lugar, não podemos esquecer-nos que estamos a abdicar controlo de toda esta informação sobre nós mesmos, é um demónio que não vai voltar para dentro da caixa.
E felizmente, o nosso governo não tem neste momento qualquer interesse em aspetos específicos da nossa vida (como orientação política, sexual, estado financeiro, etc). Na eventualidade de a situação mudar para pior, o governo pode intimar estas empresas a ceder todos os dados que recolheram sobre nós, sob pena de serem bloqueadas em território nacional — como acontece com todos os serviços da Google e Facebook na China e Coreia do Norte, muitas plataformas na Rússia, e ia acontecer com o TikTok nos EUA se a empresa não tivesse vendido a uma empresa americana a percentagem detida por empresas chinesas.

O que está na Internet está lá para sempre, e fora do nosso controlo. Plataformas open source e sem fins lucrativos dão-nos uma oportunidade de manter alguma independência das grandes empresas.

Actualizado a 18 Janeiro 2020 18h40: removendo a menção de que o Telegram não disponibiliza o código da app em opensource; esta informação está incorreta e foi removida.


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