PT: Opinião — Reconhecimento facial em Portugal

 
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Em 20 anos, o reconhecimento facial passou de uma tecnologia de filmes de espiões, para algo que usamos todos os dias para desbloquear o telemóvel, sem pensar na maravilha tecnológica por detrás. Já começámos há algum tempo esta caminhada para a normalização desta tecnologia nas nossas vidas, e espera-se que ela continue a conquistar espaços mais públicos no nosso dia-a-dia. Um exemplo prático é a iniciativa mais recente do governo português, segundo uma publicação recente do Jornal ECO, de implementar tecnologia de reconhecimento facial para facilitar o uso de serviços públicos online.

Não sei se quero o governo do meu país a normalizar o reconhecimento facial de todos os cidadãos, seja com que pretexto for.

Para começar, em contraste com outras formas biométricas de identificação, como as impressões digitais, este tipo de identificação não precisa do consentimento do cidadão, porque pode ser feito à distância, nem precisa da presença física do cidadão, podendo ser aplicado a um vídeo.

Em segundo lugar, não acho que haja uma intenção maquiavélica para estarmos vigiados o tempo todo. Mas este é um primeiro passo para tornar "normal" o governo usar as nossas caras para automatizar processos, e abre o precedente para a tecnologia se tornar parte integrante da realidade pública portuguesa. Os argumentos que costumam ser usados são a eficiência e a segurança:

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A China tem um sistema de videovigilância com reconhecimento facial que permite ao governo identificar 1.4 mil milhões de cidadãos — e classificar os seus comportamentos de forma a dar a cada pessoa um score social. A pontuação de cada um é influenciada pela sua saúde financeira, interacções com a polícia, assiduidade no trabalho, pelas pessoas com quem se dá, etc. Consoante os pontos que o cidadão tem, ganha ou perde liberdades: Ter uma multa por pagar pode ser suficiente para não poder comprar um bilhete de avião, por exemplo. Não há intervenção humana neste sistema: só comportamentos a ser analisados e a produzir um score, tudo em defesa da ordem social. Também em favor da segurança, a Rússia está a implementar um sistema semelhante, previsto ser o maior do planeta, e Londres aponta para a mesma direção.

De novo, nós não temos governos totalitários como a China ou a Rússia, nem as necessidades de vigilância de uma cidade como Londres. Mas esquecemo-nos: quando partilhamos dados com empresas ou governos, esta partilha é permanente: agora que esta informação foi enviada para o exterior, está fora do nosso controlo. Em contraste, a nossa confiança nestas entidades – especialmente o governo – é circunstancial: o conjunto de pessoas, partidos, valores que o governo é hoje não vai ser o governo daqui a 20 anos. Mas o governo de 2040 vai ter acesso a tudo quanto fizemos nas duas décadas anteriores (ou mais para trás ainda).

Imaginemos o pior futuro possível: um Trump português, um Salazar 2.0 ou o absoluto oposto das tuas opiniões políticas, quaisquer que elas sejam. Ninguém previa a instauração de um regime totalitário na China, Coreia do Norte, Rússia, a conquista progressiva da extrema-direita na Hungria, e cada vez mais nos países da Europa central e ocidental.

Queres que este grupo de pessoas saiba onde foste, com quem falaste, o que escreveste, e as tuas opiniões sobre eles, sem poderes reivindicar esse controlo, e tenha poder para agir sobre isto?

Este é o nosso dilema: vamos confiar cegamente na benevolência destas entidades futuras? Ou vamos pensar criticamente nos riscos primeiro?