PT: Estou em burn-out
Tenho-me safado bastante bem durante a pandemia no meu papel de Product Manager, tendo em conta o panorama atual. Não estava à espera de me ter adaptado a trabalho totalmente remoto como me adaptei, quando uma parte tão importante do meu trabalho é conectar-me à minha equipa — algo admitidamente mais fácil de fazer em pessoa.
A nossa equipa cresceu, o nosso produto continuou a adaptar-se às necessidades dos clientes e a expandir-se em métricas-chave, introduzindo novas features…
Portanto não prestei muita atenção aos sinais, ultimamente: a minhas capacidade de sustentar a atenção numa só tarefa diminuiu a pique, eu tenho de continuamente escrever o pensamento que tinha acabado de ter para evitar que ele me escapasse mal saltava de janela entre o JIRA e o Slack, a minha motivação despenhou-se como uma gaivota narcoléptica.
Acima de tudo, a minha energia em reuniões passou de alegre e optimista para cinzenta e silenciosa, e o meu humor entrou em território depressivo. E tudo isto se aplicava exclusivamente ao meu tempo em frente ao computador, ou a pensar sobre trabalho. Eu adoro o que faço; porque é que deixei de gostar de o fazer?
Enquanto Product Manager, só me sentia incompetente e frustrado, Enquanto psicólogo, não previ isto acontecer de todo. Mas em casa de ferreiro, espeto de pau. Quando nos acontece a nós mesmos, é mais difícil aplicar a nossa objetividade ao assunto.
Apesar de o DSM-5 — o manual de diagnóstico de saúde mental mais popular — ainda manter o burn out em estudo antes de o adicionar como perturbação mental extensamente documentada, o CID-10 (a décima edição da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde) providencia a seguinte definição:
Burn-out é uma síndrome conceptualizada como resultando de stress crónico no local de trabalho que não foi gerido com sucesso. É caracterizado por três dimensões:
— Sentimentos de energia esgotada ou exaustão;
— Distanciamento acrescido do indivíduo perante a sua função, ou sentimentos de negativismo ou cinismo perante o trabalho; e
— Eficácia profissional reduzida.
Mas o que eu senti pessoalmente é que eu não tinha controlo nenhum: estava sentado numa jangada a descer o rio, a ser arremessado pelas águas turbulentas das minhas condições de trabalho, e não havia um fim à vista para esta descida pelos rápidos.
Então, o meu plano tornou-se recuperar o controlo que perdi.
Antes de mais, reconheci que estes sintomas não são uma manifestação de fracasso pessoal. E não cheguei a esta conclusão sozinho — confidenciei o que estava a sentir a outro product manager na minha equipa, que me lembrou que já dei provas históricas de ser bastante competente no meu trabalho, e que as circunstâncias se tornaram mais difíceis de acompanhar.
A lição que tirei desta conversa foi que o meu desempenho é também um produto do meu ambiente, e não só das minhas competências.
Este entendimento de que a minha situação atual não é nem um problema interno, nem uma condição permanente levou-me a constatar que posso agir sobre isto e mudar o que se está a passar. Portanto a minha motivação de avançar só aumentou.
Constatei acima que não só o status quo estava a oferecer-me resistência, como não havia expetativas de mudar no futuro previsível — a não ser que eu fizesse alguma coisa para mudar as circunstâncias.
Portanto decidi-me a identificar as causas, que sem dúvida me dariam pistas para as soluções.
O que notei foi que o sentimento de “estar a descer os rápidos” veio de ser continuamente bombardeado com exigências à minha atenção ao longo do dia, que me arrancavam de qualquer tipo de foco mais profundo ao trocar entre contextos. Dei por mim a planear para a próxima hora, em vez de para a próxima sprint — e nem pensava no próximo trimestre.
Para neutralizar isto, fiz um esforço consciente para me escudar destas interrupções: desligar as notificações do Slack durante algum tempo, pedir à minha equipa para apenas forçar o bypass do modo Não Incomodar se a resposta não pudesse esperar pela stand-up mais tarde no mesmo dia, e adiar tópicos não urgentes para a próxima reunião com os meus stakeholders…
Com mais tempo ininterrupto nas minhas mãos, decidi ter sempre uma única coisa em que me focar até a terminar, e tentei definir um processo claro de tomada de decisão para identificar essa coisa, ao re-centrar-me nos objetivos do meu papel — entender a visão de produto e garantir que entregamos funcionalidades que alcançam os objetivos do negócio em tempo útil. O que quer que eu estivesse a fazer, tinha de alinhar os meus objetivos pessoais.
E isso funcionou até determinado ponto — embora eu não pudesse mudar a geografia dos rápidos que estava a navegar, pelo menos podia remar de forma um pouco mais estratégica.
Ainda demorei algum tempo a aperceber-me que estava desde há muito tempo a tentar mudar a cultura do meu ambiente de trabalho — que tem muitas dependências de equipas externas, e uma história interna da empresa que molda a forma de trabalhar — e que não teria grande hipótese de sucesso.
Eles não trabalham de uma forma necessariamente errada, mas não posso esperar ter um emprego ao leme de uma jangada* e não bater contra rochas ao descer as cascatas.
Portanto vou trocar o colete salva-vidas amarelo por um outfit diferente — algo com asas em vez de bóias. Vou deixar o meu projeto atual por algo novo. Inicialmente, senti-me inclinado a ver isto como um fracasso pessoal — porque é que não consegui adaptar um ambiente inteiro à forma como eu trabalho? — até que me apercebi que cheguei a este estado por não ter conseguido reconhecer que algumas coisas não podem ser mudadas, e que em tempos como estes, se não me posso mudar a mim mesmo, pelo menos tenho sorte suficiente para poder mudar de projeto.
Vamos ver como corre.
* Sim, eu sei que jangadas não têm leme. Nem todas as minhas metáforas são perfeitas, alinhem comigo.
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